terça-feira, 5 de maio de 2009

A Previsão do défice

Foram ontem apresentadas as previsões da União Europeia relativamente á evolução económica expectável para os próximos dois anos. Tal como se esperava, o cenário adensou-se face ás anteriores previsões. A economia deverá contrair-se 3,7% este ano e 0,8% em 2010 e o défice deverá ser de 6,5% e 6,7% em 2009 e 2010 rspectivamente.

O que não deixa ainda de espantar um mero espectador da política nacional (como eu), é o coro de reacções que imediatamente se seguiram.

Em primeiro lugar veio o governo a dizer aquilo que sendo verdade, não anima ninguém, ou seja que embora sendo más as previsões, devemos ficar satisfeitos por serem menos más que a média europeia. Pois… com o mal dos outros podemos nós bem… Mas esse é também o problema que resulta se nos limitarmos ás estatísticas… Para colocar as coisas em perspectiva, é preciso igualmente acrescentar que o nosso ponto de partida nesta crise face aos restantes países era já uns quantos furos abaixo …. E isso prende-se com os nossos problemas estruturais cuja resolução continua a ser adiada, de ano para ano, de mandato para mandato, de ciclo para ciclo …

Mas absolutamente fantástica foi a reacção da oposição em particular do PSD, nomeadamente em relação á questão do défice previsto para 2009 e 2010 (6,5% e 6,7%). Como habitualmente vieram logo a público as habituais vozes a gritar sobre os malefícios do défice, a desgraça que vem ai, e obviamente tudo isto por culpa do governo. Pois …

Só que convêm relembrar o seguinte: O mundo vive actualmente a maior e mais séria crise económica desde pelo menos a II Guerra Mundial (e vários analistas comparam-na à de 1929). A economia portuguesa fortemente dependente do exterior, não tem por si só a capacidade para alterar a situação. Quanto muito as únicas coisas que podem ser feitas neste momento são, por um lado tentar minorar os efeitos da crise junto da população mais carenciada (e isto custa muito dinheiro) procurando ganhar o tempo necessário até á retoma, e por outro lado aproveitar este momento para introduzir algumas das reformas necessárias, e que sendo embora dolorosas, talvez estejam agora criadas as condições políticas para serem feitas.

Ora para tudo isto é necessário: Por um lado, pôr de parte alguns fundamentalismos sobre a questão do défice:Na minha opinião, momentos extraordinários exigem medidas extraordinárias; E isso significa muito mais do que olhar para este momento com uma mentalidade puramente contabilística; é necessário tomar decisões, que mesmo podendo não ser as melhores devem pelo menos ser aquelas que os seus autores entendam ser as mais adequadas, mesmo que tenham custos eleitorais; E isso significa não agradar a muita gente, mas também não ceder ao populismo fácil, nomeadamente representado pelo Bloco de Esquerda.


E neste momento o governo parece estar a ceder nesta matéria (veja-se as recentes decisões sobre a tributação dos bónus dos gestores). Esperemos, para bem de todos que isto seja uma situação passageira …

Por outro lado é necessário que os maiores partidos se entendam. Não sendo um defensor do Bloco Central (que na realidade só favorece os partidos colocados nas franjas do espectro político – nomeadamente o PP e o BE), defendo há muito a necessidade de existência de um verdadeiro pacto de regime entre o PSD e o PS (e também com o PP) relativamente ás questões estruturantes da sociedade, nomeadamente as que respeitam á Saúde, á Educação e á Justiça. Para além disso é necessário neste momento que exista um entendimento muito amplo sobre as grandes questões da Economia e das Finanças Públicas.

E pouco adianta vir agora Manuela Ferreira Leite com o seu ar infeliz a dizer que ninguém a ouve, e que o governo faz só o que quer, pois o PSD quando teve a maioria absoluta ou quando esteve coligado com o PP fez exactamente o mesmo. A começar nas questões da Educação e das Finanças, onde por acaso foi ministra Manuela Ferreira Leite …

Mas ainda em relação ao défice previsto pela EU para Portugal, existe uma questão que convém lembrar: Quando falamos em 6.5% e 6,7% em 2009 e 2010 estamos realmente a falar de um valor que nos deve preocupar (embora longe dos 15% previstos para a Irlanda para 2010). No entanto este é o défice previsto em tempos da maior crise das últimas décadas. Mas como justificar o défice de 6,3% que este governo herdou no final de um ciclo de governos PSD (de onde aliás MFL foi Ministra das Finanças) numa época anterior á crise?

Ém tempos de crise, sempre se pode argumentar que o défice aumenta, mesmo que não aumente a despesa, basta que diminua a receita. E é evidente que dados os resultados muito abaixo do atingido nos anos anteriores por parte da maioria das empresas, bem como pela forte queda nas exportações, as receitas só podem mesmo cair fortemente. Por outro lado o aumento das despesas de natureza social é algo que uma sociedade solidária tem de aceitar, não se pode sequer colocar a possibilidade de cortar nesta matéria num período como o que vivemos. Logo o défice só pode tendencialmente aumentar. Resta saber em que medida aumenta, e tentar controlá-lo.

Mas como justificar esse aumento brutal do défice em momentos de não crise (pelo menos internacional) como aconteceu no final dos governos de Durão Barroso e Santana Lopes? Como justificar o facto da competitividade da economia portuguesa cair sistematicamente há mais de uma década?

Não esquecendo obviamente o forte contributo dos governos de António Guterres para esta situação, o que é um facto é que o PSD esteve no governo no período pós Guterres o tempo suficiente para demonstrar que sabia como alterar a situação (essa foi aliás a esperança de muitos dos eleitores que votaram nos sociais democratas). Mas infelizmente não foi isso que aconteceu.

É por tudo isto que defendo ser essencial um acordo de regime sério entre os principais partidos para as grandes questões nacionais. Ambos os partidos, PS e PSD, já demonstraram claramente a sua total incapacidade para resolverem por si só os maiores problemas do país. Ora na ausência de capacidade de um dos partidos para resolver a situação, os cenários que restam são muito simples: Ou colocam para trás das costas os interesses partidários de curto prazo (leia-se: o período eleitoral que se aproxima) e se entendem de forma séria e construtiva dando o rumo certo ao país, ou então continuam no mesmo caminho e o resultado é óbvio: O PSD perde as eleições, o PS perde a maioria absoluta, e quem passa a mandar no Parlamento é o BE e o PCP (que juntos já representam já quase o mesmo que o PSD sozinho. E isto não acontece por mérito dos próprios…) com os custos (e os riscos) que esta situação irá potencialmente representar para Portugal e para a democracia.

O pior é que ninguém parece estar muito interessado em assumir esta realidade. É por isto que não posso estar mais de acordo com Miguel Sousa Tavares quando no seu último artigo publicado no Expresso (que abaixo reproduzo) diz, citando D. Januário Torgal Ferreira:

“(…) esta é, antes de mais, uma crise de valores éticos, de princípios de vida. E em tudo, de cima a baixo na nossa sociedade, a nossa infinita capacidade de desculpabilização e transferência de responsabilidades próprias é o rosto profundo de uma crise, muito mais do que apenas económica. “

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